terça-feira, 19 de outubro de 2010

Bons tempos em que eu escrevia assim.

O vento trespassa as paredes finas

do meu ser

através das fendas

da vergonha e do arrependimento.

Sinto o cheiro podre da existência.

A perspectiva assustadora

da natureza humana.


Me rasga o murmúrio da brisa

que, sutil, sussurra

os crimes da alma,

a justiça invisível

que não existe

neste mundo calado.


Pior que a brisa é o silêncio.


Escuta.


Vê que crueldade paira

entre olhares,

entre bancos de praças vazias,

paradas como as estátuas

que nos julgam

com olhos estáticos

de mármore.

São tão frias quanto nós mesmos,

entretanto, cultuam o não-ruído,

o não-sentir.

Cultuam os poemas não escritos,

as lágrimas não derramadas

de um amor não vivido.


Enquanto o balançar das folhas

emana o canto torturante

do que poderia ter sido.


Felizes os monumentos:

imponentes, quietos.

O não-fazer,

o não-pensar,

o não em si.


A negação da vida.


Combinam com o ar cinza

os versos que seus olhos dirão

a um poeta bêbado,

solitário e frio.


Metálico:


como o cobre,

como a modernidade,

como a lâmina que se opõe à carne.


O sabor do sangue

que corre na veia da humanidade

mancha a imponência,

evita a indiferença

das esculturas.


Felizes imortais.

Pedras frias que não respiram

a poluição,

a hipocrisia,

a dor.


Assistem a tudo

parados e calmos,

resignados em sua solidão.


Não sangram.

Não sentem.

Não passam pelo suplício

de estar vivo.


Sentem pena de nós,

simples sofredores.

Solidarizam-se por nós poetas

sem nos entender direito.

Não entendem

o que é efêmero,

mas sentem dor.


Se prestares atenção,

verás lágrimas

nos olhos das estátuas,

por assistirem às nossas vidas,

por estarem cercados

de mediocridade,

e por flores

cujo perfume

o vento não ousa espalhar.


Seria falso.

Seria inconcebível

perfumar tal cinza,

perfumar tal dor.


Contradição.


Beleza e lágrima.

Amor e sofrimento.

Poesia e realidade.


Eu e o mundo dentro de mim

contra o mundo de todos,

contra os sorrisos,

contra os olhos brilhantes,

contra os beijos

e contra os amantes.


Procurando o corte.

A acidez árdua da fala.

O sarcasmo imbecil

da desilusão

que voa com o vento

que a contra-gosto

dissemina o luto

às pobres estátuas.


Conta aos inocentes silenciosos,

aos inocentes imóveis,

aos inocentes estáveis,

as lágrimas de chumbo

que caíram do peito

de um sofredor:

alvo dos querubins

e dos anjos perversos,

que nos buscam

do paraíso da ignorância

e nos jogam no desespero

do saber

e do viver.


Lei sádica esta

que nos prende ao chão

e não nos permite

recitar versos

com a constância

do ar que se move triste

pelo mundo,

pelos ouvidos,

pelos olhos masoquistas

de quem lê um poema,

em frente a uma estátua,

em uma tarde ventosa

de primavera.

Nenhum comentário:

Postar um comentário