O vento trespassa as paredes finas
do meu ser
através das fendas
da vergonha e do arrependimento.
Sinto o cheiro podre da existência.
A perspectiva assustadora
da natureza humana.
Me rasga o murmúrio da brisa
que, sutil, sussurra
os crimes da alma,
a justiça invisível
que não existe
neste mundo calado.
Pior que a brisa é o silêncio.
Escuta.
Vê que crueldade paira
entre olhares,
entre bancos de praças vazias,
paradas como as estátuas
que nos julgam
com olhos estáticos
de mármore.
São tão frias quanto nós mesmos,
entretanto, cultuam o não-ruído,
o não-sentir.
Cultuam os poemas não escritos,
as lágrimas não derramadas
de um amor não vivido.
Enquanto o balançar das folhas
emana o canto torturante
do que poderia ter sido.
Felizes os monumentos:
imponentes, quietos.
O não-fazer,
o não-pensar,
o não em si.
A negação da vida.
Combinam com o ar cinza
os versos que seus olhos dirão
a um poeta bêbado,
solitário e frio.
Metálico:
como o cobre,
como a modernidade,
como a lâmina que se opõe à carne.
O sabor do sangue
que corre na veia da humanidade
mancha a imponência,
evita a indiferença
das esculturas.
Felizes imortais.
Pedras frias que não respiram
a poluição,
a hipocrisia,
a dor.
Assistem a tudo
parados e calmos,
resignados em sua solidão.
Não sangram.
Não sentem.
Não passam pelo suplício
de estar vivo.
Sentem pena de nós,
simples sofredores.
Solidarizam-se por nós poetas
sem nos entender direito.
Não entendem
o que é efêmero,
mas sentem dor.
Se prestares atenção,
verás lágrimas
nos olhos das estátuas,
por assistirem às nossas vidas,
por estarem cercados
de mediocridade,
e por flores
cujo perfume
o vento não ousa espalhar.
Seria falso.
Seria inconcebível
perfumar tal cinza,
perfumar tal dor.
Contradição.
Beleza e lágrima.
Amor e sofrimento.
Poesia e realidade.
Eu e o mundo dentro de mim
contra o mundo de todos,
contra os sorrisos,
contra os olhos brilhantes,
contra os beijos
e contra os amantes.
Procurando o corte.
A acidez árdua da fala.
O sarcasmo imbecil
da desilusão
que voa com o vento
que a contra-gosto
dissemina o luto
às pobres estátuas.
Conta aos inocentes silenciosos,
aos inocentes imóveis,
aos inocentes estáveis,
as lágrimas de chumbo
que caíram do peito
de um sofredor:
alvo dos querubins
e dos anjos perversos,
que nos buscam
do paraíso da ignorância
e nos jogam no desespero
do saber
e do viver.
Lei sádica esta
que nos prende ao chão
e não nos permite
recitar versos
com a constância
do ar que se move triste
pelo mundo,
pelos ouvidos,
pelos olhos masoquistas
de quem lê um poema,
em frente a uma estátua,
em uma tarde ventosa
de primavera.